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sexta-feira, 5 de outubro de 2018

A MALDADE, A MEDUSA E SUAS SERPENTES

Conta um conto que certa vez uma cobra perseguia incansavelmente um vaga-lume. Depois de muito fugir, o vaga-lume parou e perguntou então à cobra: “Por que queres me devorar se nem ao menos faço parte da tua cadeia alimentar?”. A cobra então respondeu: “Porque detesto vê-lo brilhar.”.
Há pouco tempo atrás, dando um ombro amigo para uma amiga confidenciar suas lamúrias, prestando minha solidariedade e querendo fazer uma boa ação tamanha à sua angústia, escutei por horas a fio o que pensei que seria mais um caso corriqueiro de quem convive com personalidades tóxicas e doentias, mas, ao final, por chamar minha atenção, decidi transpor para a escrita.
Essa amiga me narrou que desde que entrou em um novo emprego vem sendo perseguida ferozmente, pois chegou com ânimo, com um novo gás, novas ideias, sede de realizar e de realização. Salientou que quem lhe convidou para o cargo, frisou que ela aprenderia mais que em qualquer faculdade. Eu bem a conhecia e sabia da sua capacidade moral e profissional. Empreendedora, diversificadora nas ações, séria e brincalhona ao mesmo tempo, sempre me dizia: “o importante não é ser séria, o importante é ser séria nas coisas importantes.”.
Já alertada inicialmente sobre a fama de um dos integrantes do quadro, literalmente de natureza pequena, sabia que não gostava de quem pudesse brilhar mais que ele e que tomasse cuidado, pois era extremamente manipulador e maquiavélico. Por não ter maldade no seu proceder e ter o hábito - bom ou mal - de acreditar nas pessoas, cuidou apenas de viver a vida.
Lotada em um setor onde lhe foi prometido que aprenderia na prática a teoria da sua especialização, mas cuidando também de outro setor, visto estar desfalcado, percebeu que o tom dos comentários já não eram tão afáveis como quando entrou. Falsos elogios e ironias eram disparados a todo instante. Tentou implantar ideias - uma delas sendo implantada anos depois com outra pessoa levando os créditos - criou documentos para desburocratizar, etc.. Mas logo foi sendo podada nos seus intentos profissionais. Maldades eram feitas diariamente, boatos eram espalhados para os setores na velocidade da luz, ou da maldade, melhor dizendo. Da noite para o dia se viu odiada, difamada, invejada, mal vista e mal quista. Percebeu rapidamente que o terreno estava repleto de pobres de espírito e dissimulados.
Foi então afastada do seu setor, pela pessoa a qual já lhe haviam alertado, que, à socapa, instigava o chefe contra ela, sordidamente plantando difamações. E deu sorte de não ser despedida, pois gozava da admiração desse mesmo chefe por saber ele que a mesma era mãe solteira e dedicava-se com afinco à criação da sua filha sem ajuda de ninguém, o que a salvou da demissão. Criação essa que também despertava a inveja e a ironia do manipulador por criar o seu tal qual um largado, literalmente. Uma pessoa pequena em todos os sentidos.
Interessante é que ele se achava o mais esperto sempre, o mais inteligente - assim como todo perseguidor - e sempre tinha uma ironia, uma falsa amizade, sempre trabalhava à espreita, um legítimo mau-caráter. Articulador para o mal que era, tentava até colocar uma pessoa contra a outra, plantando um comentário em um e o mesmo em outro, para que ambas se confrontassem e se tornassem inimigas, em uma pobreza de espírito explícita e conhecida pelos demais que se faziam de amigos dele, mas sabiam da sua personalidade doentia. Ao sair da empresa, ainda assim deixou seu rastro, selando o destino dela, ao recomendar que não deixassem ela voltar para o setor. Mas, vindo de onde veio e com a criação que teve, não era de se esperar outra coisa…
Com a entrada de um novo chefe, tentou retornar para o setor, mas nada adiantava, o ‘sistema’ não permitia.
Certa feita, querendo ajudar uma conhecida em apuros financeiros, amiga essa uma notável ‘chef’ que preparava seus doces com maestria, ofereceu seus conhecimentos de empreendedorismo e levou os produtos aos ‘colegas’ de trabalho que, sentindo falta de uma lanchonete por perto, pediram que trouxesse as iguarias da amiga para o trabalho afim de conhecerem e assim foi feito. Outro plano encerrado, pois alguém foi ao chefe também cuidar de sabotar aquilo que estava agradando a todos.
Nesse interim, era sempre alvo das mais diversas fofocas, vindo a saber de fatos que nem ela mesma sabia que tinha feito! Fofocas diárias, infindáveis, rotineiras, maldosas, gratuitas, algumas até maquiavélicas. Seu nome era doce na boca das serpentes. Se não lutasse todos os dias, seria engolida.
Tudo, literalmente tudo que ela fizesse ou desse uma opinião era alvo de represálias contrárias desconstruindo suas ideias e falas, pelo puro prazer de negá-la, neutralizá-la. Até mesmo em comemorações da empresa, mesmo que ela estivesse com a razão. Era preferível negar a verdade que aceitar que partisse dela. Não respeitavam nem a vontade do próprio chefe, que era à favor. A horda do mal estava incansavelmente sempre à espreita.
Com o aval do chefe, resolveu então criar um projeto cultural. Angariou fundos com patrocinadores, elaborou tudo com afinco e detalhes, dedicou-se de corpo e alma, mas salientou que o maior problema que teve foi interno e não externo. As perseguições foram tamanhas para que não desse certo, que chegou ao ponto de querer tocar o projeto por questão de honra, pois o mesmo foi sabotado do início ao fim, literalmente. Esse vingou, sendo até elogiada (falsamente!) pelos próprios inimigos - a maior glória de um guerreiro! - que diziam abertamente, entre outras coisas, que ela não conseguiria. Tal qual Perseu, matou a Medusa e suas serpentes. Mas logo após viria a paga por esses elogios, pois a inveja, o despeito e a perseguição só aumentaram. Até mesmo produtos que seriam doados, restantes do projeto, foram subtraídos por picardia, ao saber que ela repassaria a instituições de cunho social, retirando assim de quem precisava. Literais cobras perseguindo um vaga-lume.
Medusa era uma bela donzela, sacerdotisa do templo de Atena, mas ao se deitar com Poseidon, Atena teria amaldiçoado-a, transformando seus lindos cabelos em serpentes, para que todos que a olhassem fossem transformados em pedra. Essas serpentes, cada uma delas simboliza um tentáculo de maldade. Uma agremiação para o mal, de seres iguais, que se juntam em apoio à maldade.
Foi mudando de setor em setor, sempre alguém impedindo seu crescimento. O sonhado aprendizado na prática do conteúdo da sua formatura e pós-graduação, acenava ao longe.
Devido ao fato de apreciar coisas contrárias ao senso comum, por procurar estudos, idiomas, cultura, músicas de valor, esportes, sonhos que contrastavam com o ‘normal’ das pessoas de mente curta, era severamente taxada de esnobe, arrogante, etc.. A horda enlouquecia! O certo era ser comum, seguir da mesma cartilha dos pobres de espírito. Mas ela se mantinha firme aos seus ideais, não compactuava com a mediocridade.
Uma coisa que me confidenciou chamar sua atenção foi o fato de que a horda degladiava-se também entre si, secreta e falsamente, pois os mesmos que falavam de um dos seus integrantes, falava do outro também quando na sua ausência e assim em uma simbiose maldita, seguiam vivendo distribuindo sorrisos uns para os outros. Do ponto de vista da eficiência, a rede de fofocas era tão ou mais eficiente que qualquer marketing de rede conhecido.
Certa feita, por receber claros sentimentos de inveja e despeito, tomou a firme decisão de parar de falar e postar as conquistas pessoais e as da filha, que brilhantemente se destacava nos estudos e nas atividades paralelas que buscava. Antes sentia prazer em compartilhar as bênçãos recebidas e alegrava-se com as alheias. Foto do cão de estimação em redes sociais? Jamais? Temia que o animal indefeso sucumbisse às energias negativas lançadas pelos algozes e adoecesse ou coisa pior. Percebeu tristemente que atualmente não se solidarizam mais com as conquistas e alegrias do próximo e, ao contrário, atacam ferozmente com um despeito e inveja que brotam do âmago do ser. Passou então a compartilhar as conquistas apenas com pessoas de sensibilidade.
Vivia reclusa nos seus próprios interesses e à sua filha, fugindo do comum dos demais, criando seu mundo, suas atividades selecionadas e mesmo assim, ou justamente por isso, continuava sendo taxada e excluída, o que, diga-se de passagem, falei que seria essa uma grande vantagem, pois passar por idiota aos olhos de imbecis era um deleite de raro bom gosto. Tentou por várias vezes retornar ao setor onde exerceria seu aprendizado, sem sucesso. Não havia o que fazer, apenas viver e aguentar a perseguição.
Determinada e focada, dona de grande personalidade, enfrentava qualquer situação que aparecesse, impunha respeito, era fiel a seus princípios, valores e ideais. Não se intimidava, não se calava. Essa ‘coragem’ era vista como problemática, afrontosa, e não como um diferencial, uma qualidade. Via a cada dia o mal crescer profissionalmente, ganhar mais devido à sua bajulação intrínseca e questionava então a vida, sem entendê-la. Como pode pessoas más e dissimuladas serem afagadas pelo destino? Passara a acreditar piamente que realmente os gestores não sabiam o que acontecia nos bastidores, pois os bastidores sempre são falsos e dissimulados, maquiados pelos bajuladores e maldosos de plantão. Uns são por natureza, outros por profissão.
Após alguns conselhos e opiniões de efeito calmante com essa minha amiga, para depois meditar em meus alfarrábios, vi uma parte da minha vida ali contada por outro interlocutor que não eu. Suscitaram lembranças, boas, ruins e até terríveis que cuidei de entregá-las ao deus do esquecimento, mas, esquecimento total não existe; arquivamento então, digamos. Sei bem, senti e sinto na pele que, quem quer ser diferente em um país amoral e deseducado, tem que pagar um alto preço, recebendo despeito, inveja, ironias, sarcasmo, armadilhas infindáveis e perseguições constantes. Ter personalidade hoje é sinal de perigo constante.
Quando vinham me perguntar sobre algo que souberam a meu respeito, eu perguntava sempre se conheciam a história de Chapeuzinho Vermelho e se sabiam por que o lobo era sempre o mau da história. Me olhavam, pensativos e surpresos sobre o que tinha a ver a minha resposta com o questionamento deles e invariavelmente não sabiam responder. Eu então resumia, calmamente: “...é porque só escutam a versão da Chapeuzinho!”.
Verifico já há algum tempo que os seres humanos desaprenderam a ser pessoas e passaram a ser apenas gente. Vazias, sem conteúdo, sem nada que acrescente à existência. A humanidade sempre teve medo de pessoas que voam, sejam bruxos ou livres. É bem mais fácil acreditar na maledicência do que nos elogios. Hoje falta o elogio sincero, o abraço afetivo, a admiração verdadeira. Parece que a bajulação é intrínseca ao ambiente profissional. Seja com chefes ou entre amigos, para ganhar a “amizade”, pois o que concorda comigo é meu amigo e o que discorda é meu inimigo. Por que algumas pessoas se comportam desta forma? Necessidade em agradar. Insegurança em se colocar como realmente é. Tentativa de obter vantagens.
Não sabia que cabia tanta falsidade dentro das pessoas e, que formosa aparência tem a falsidade! No mundo atual é melhor ser verdadeiro e solitário do que viver em falsidade e estar sempre acompanhado. Coisas como a inveja e a falsidade são pequenos monstros que provocam grandes desastres. A coisa chegou a tal ponto que a falsidade nem sempre é defeito, às vezes é algo natural das pessoas. Convivem com aquilo. Vivem daquilo!
No filme ‘Você de Novo’ tem uma frase interessante: “Você não pode controlar o mundo mas pode controlar como vai reagir à ele.”. Talvez o melhor seja não tentar mudar o outro, mas lidar com seus sentimentos com relação à isso, aprender formas de não se deixar enganar e até entender porque você se abala. A mentira e a falsidade são duas coisas realmente lamentáveis. São capazes de destruir tudo no seu caminho, de devastar os bosques mais povoados e de fazer cair as torres mais altas.
O mais triste da hipocrisia e da maldade é que eles nunca vêm dos nossos inimigos, nem das pessoas desconhecidas. Como é de esperar, tudo isso chateia. E muito. Quando nos enganam, o pior de tudo não são as mentiras em si, mas o que se leva com elas.
Fico a pensar, ou matutando como diz o sertanejo, o que essas pessoas ganham com isso? O prazer é tão efêmero que só recorrendo a Freud mesmo; aliás, acho que nem ele conseguiria explicar tamanha sordidez, tamanha indigência espiritual. Geralmente são pessoas pequenas - em todos os sentidos - mal amadas, mal resolvidas e por isso precisam da aceitação dos pares. Traumatizadas e recalcadas por histórias de vida com os pais ou companheiros, tentam eternamente vingar-se dessas pessoas que lhe fizeram algum mal, nas pessoas que encontram no seu caminho. Falta esse entendimento.
Enxergo nessas situações a Medusa como o ser principal, onde residem todas os males e os sentimentos menores como a inveja, a maldade, a bajulação, a falsidade, o sarcasmo e outros, como suas serpentes que as pessoas insistem em carregar.
Finalizando, orientei que ela não se preocupasse em passar a vida tentando dar explicações, pois iriam falar de qualquer jeito e, os amigos não precisariam, os inimigos não acreditariam e os estúpidos não entenderiam. Além do mais, aves da mesma plumagem andam em bandos.
A Medusa está em cada um e, se não a fizerem virar pedra, carregarão eternamente as serpentes...


Eduardo Almeida
Escritor e Patrono da
ALES-Academia de Letras Estudantil de Sergipe

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